Punk, feminismo e confissões: a revolta escrita por Kathleen Hanna (2024)

Nos anos 90, feminismo ainda era uma palavra feia, mesmo na cena alternativa. Por isso, quando as Bikini Kill, e outras bandas de mulheres, como Babes in Toyland ou L7, começaram a usar a palavra ao peito, nem toda a gente apreciou a atitude, mesmo quando gostava das canções. Na autobiografia agora publicada,Rebel Girl: My Life As Feminist Punk, Kathleen Hanna, vocalista das Bikini Kill (também de Le Tigre e The Julie Ruin), uma das mulheres mais importantes da cenariot grrrl em plena era grunge, conta como, depois de um dos primeiros concertos da banda, no início dos anos 90, lhe chegou aos ouvidos que um amigo da cena punk andava a dizer que “os animais eram mais vitimizados do que as mulheres”, e por isso as Bikini Kill “tinham zero crédito” nas canções feministas que faziam.

Kathleen conta a situação com algum desalento, mas isso não a fez vacilar no ativismo. Já tinha sofrido, e testemunhado, demasiados episódios de abuso, para questionar a própria determinação com base na opinião de um homem, ainda que se tratasse de um amigo com quem acreditava partilhar ideais estéticos e, supostamente, políticos.

Kathleen também percebeu muito cedo que não eram só os homens que não gostavam das suas letras acusatórias e dos discursos sobre assédio e violação. Muitas mulheres que iam aos concertos de Bikini Kill também ficavam incomodadas e achavam as temáticas e a doutrinação “desnecessárias”. Mas, ao mesmo tempo, era comum a cantora e compositora fazer sessões de aconselhamento com jovens raparigas que a procuravam no final dos espectáculos, para desabafar sobre as suas histórias de assédio e terror. O seu grito “girls to the front” (raparigas para a frente), que apelava às raparigas para ocuparem as primeiras filas em frente ao palco durante os concertos, foi uma forma de tornar os espectáculos mais inclusivos, e, ao mesmo tempo, proteger as mulheres do assédio e das agressões masculinas que sabia acontecerem nas zonas escuras das salas.

Punk, feminismo e confissões: a revolta escrita por Kathleen Hanna (1)

Lembro-me dos ecos da cenariot grrrlcomeçarem a chegar a Portugal em meados dos anos 90, através da imprensa estrangeira que apontava o fenómeno como uma espécie de fação feminina do grunge. O que era inspirador nessas histórias sobre jovens mulheres que se organizavam em grupos de música e arte era precisamente o facto de reclamarem — e conseguirem — espaço em universos normalmente dominados por homens: a cultura punk rock, a cena do it yourselfexpressa em fanzines, exposições de arte, espectáculos despoken worde grupos de música. Era como uma segunda vida do punk original, tal como protagonizado por bandas de mulheres como Slits ou Raincoats, que, de resto, eram influência para as própriasriot grrrls.

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O assunto acabou por esmorecer, o slogan “girl power”foi apropriado e banalizou-se como uma marca comercial franchisada. Pessoalmente, interessei-me por outras coisas. Quando voltei a ouvir falar de Kathleen Hanna, já neste século, estava nas Le Tigre, era parte de uma outra cena feminista, ao lado de gente como Peaches ou Chicks on Speed, bandas que tinham algumas afinidades com acena riot grrrl original, mas adotavam um formato mais eletroónico e dançável. Era refrescante ver como asriot grrrlsse reinventavam na era doelectroclash. Nesta biografia, Kathleen Hanna fala desse processo de transformação, tal como fala de como descobriu, ainda criança, que precisava de cantar para sobreviver e de como pequenos grupos de pessoas podem fazer (e destruir) grandes coisas, se estiverem empenhados nisso.

No livro, lemos como Kurt Cobain foi protetor contra ex-namorados mal resolvidos e como descobriram o desodorizante Teen Spiritnuma ida ao supermercado, o que a levou a escrever “Kurt smells like Teen Spirit” na parede do quarto do cantor e compositor. Meses depois, Kurt pediu-lhe autorização para usar afrase.

Punk, feminismo e confissões: a revolta escrita por Kathleen Hanna (2)

Depois de se ter debatido com várias situações debilitantes ao longo dos anos, Kathleen foi diagnosticada com doença de Lyme em estágio avançado, em 2006, o que comprometeu a sua vida quotidiana de várias formas, durante vários anos, mas ainda assim, tem permitido um lento regresso ao quase normal. Foi nesse “quase" que escreveu as memórias de feministapunk.

Punk, feminismo e confissões: a revolta escrita por Kathleen Hanna (3)

Há histórias de bastidores bastante coloridas, que dão um olhar privilegiado sobre Kathleen e a(s) sua(s) banda(s), mas também dizem coisas, nem sempre positivas, sobre outras estrelas do universo alternativo. Courtney Love, também ela vista comoriot grrrl, protagoniza uma das cenas maisinfelizes.

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